Adoração e serviço (Maria e Marta)

Luciano Motta

"Prosseguindo viagem, Jesus entrou num povoado; e uma mulher chamada Marta recebeu-o em casa. Sua irmã, chamada Maria, sentando-se aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra. Marta, porém, estava atarefada com muito serviço, e aproximando-se disse: Senhor, não te importas que minha irmã me tenha deixado sozinha com o serviço? Dize-lhe que me ajude. E o Senhor lhe respondeu: Marta, Marta, estás ansiosa e preocupada com muitas coisas; mas uma só é necessária, e Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada." 
(Lucas 10.38-42)

Quando ouvimos pregações ou estudos sobre esse texto, normalmente são ressaltadas duas características da igreja: a adoração e o serviço.

• Maria é associada à piedade, à devoção, àquele tipo de pessoa que deixa tudo para estar aos pés de Jesus (ênfase positiva); ou a pessoas místicas, contemplativas, que não se envolvem com o trabalho (ênfase negativa).

• Marta é associada àqueles que têm o dom de servir; gente hospitaleira, preocupada em receber bem seus hóspedes (ênfase positiva); ou a pessoas ativistas e religiosas (ênfase negativa).

A questão é que servir é um tipo de adoração; e a atitude de adorar demanda um serviço. Logo, não deve existir tal dicotomia. Servir e adorar não são ações excludentes. 

Um exemplo prático disso é a preparação de um churrasco: pessoas que “adoram” uma boa carne na brasa não veem problemas nem impedimentos em todo o trabalho envolvido – arrumar a churrasqueira, acender o fogo, selecionar e comprar as carnes, cortá-las e temperá-las adequadamente, preparar uma farofinha e um molho, vigiar o fogo e virar a carne para não queimar, etc. Observe que estão ocorrendo ao mesmo tempo prazer e trabalho (adoração e serviço).

Aquele que só quer desfrutar (ou que apenas deseja ser servido) não entendeu o significado da adoração. 

Jesus – o único Digno de ser adorado – foi o maior servo de todos. Por que não nós?

"Tende em vós o MESMO SENTIMENTO [a mesma forma de pensar] que houve em Cristo Jesus, que, existindo em forma de Deus, não considerou o fato de ser igual a Deus algo a que devesse se apegar, mas, pelo contrário, esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de SERVO e fazendo-se semelhante aos homens. Assim, na forma de homem, humilhou a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz" (Filipenses 2.5-8, com destaques meus).

O apóstolo Paulo está apenas reforçando o que Jesus disse aos discípulos: "Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio" (João 20.21). No que se refere à forma de pensar de Jesus, à Sua abnegação, à Sua postura de servir e se humilhar em obediência ao Pai, devemos nós também fazer o mesmo.

Semelhantemente a Jesus, que OUVIA o Pai e SÓ AGIA conforme ouvia Dele (João 5.19,30), vemos que Maria OUVIA as palavras de Jesus enquanto SERVIA (ouvir, no original grego, carrega o sentido de "continuar ouvindo" – uma ação continuada, conforme Lucas 10.39).

A passagem bíblica dá a entender que Jesus estava na sala, falando a respeito de algum assunto que o texto não diz. Naquele tempo, o costume era os homens ficarem na sala, e as mulheres, na cozinha (situada do lado de fora da casa). Maria cruzou uma espécie de "linha invisível" – ela quebrou barreiras sociais: entrou em um espaço masculino e assentou-se como um discípulo (até então, apenas homens podiam ser discípulos de um Rabi).

Maria parou tudo, deixou tudo, ocupou um espaço que não seria dela, rompeu barreiras sociais PORQUE ESTAVA OUVINDO A JESUS. O fato é que A VOZ DE JESUS A ATRAIU. O serviço de Maria foi completamente afetado pelo que ela estava ouvindo de Jesus. O trabalho na cozinha, junto com a irmã Marta, deixou de fazer sentido por alguns instantes a ponto de Maria parar tudo!

O QUE ESTAMOS OUVINDO AFETA TUDO O QUE ESTAMOS FAZENDO! 

Corremos o risco de fazer coisas para Jesus sem que Ele esteja requerendo isso de nós. Igrejas inteiras podem estar envolvidas em atividades infrutíferas, que prontamente seriam interrompidas se ouvissem o que Jesus está falando nesses dias, e não o costume ou a tradição.

Porém, é importante ressaltar que Jesus não deprecia o serviço de Marta. Na verdade, Ele a reorienta: "Marta, Marta, estás ansiosa e preocupada com muitas coisas" (Lucas 10.41). É como se Jesus estivesse dizendo: "Marta, seu serviço não está baseado EM MIM, mas em ansiedade e preocupação..."

O seu desejo de agradar a Jesus está baseado em SER VISTO e RECONHECIDO? 
Você está trabalhando e servindo a Jesus, mas seus pensamentos estão ALVOROÇADOS?

Nosso trabalho depende do que estamos ouvindo... Nossos planos são baseados no que estamos ouvindo... Estamos lidando com contas e planilhas, mas estamos ouvindo... Estamos dando aula, mas estamos ouvindo...

James  K. A. Smith, no livro Você é aquilo que ama, destaca que precisamos ser
regularmente imersos no drama de Deus em Cristo, reconciliando o mundo consigo mesmo, sendo esse precisamente o propósito da adoração cristã – convidar-nos repetidamente a participar dessa história, "caracterizando-nos" conforme praticamos o drama do evangelho infinitas vezes [...]
Daí nossos amores são liturgicamente formados:
Aprender a amar exige prática (p.126).
Smith trata em seu livro sobre como somos seres litúrgicos. Diariamente, nossa atenção é capturada por práticas e ideias que moldam quem somos e o que amamos. Daí a necessidade de, semana após semana, dia após dia, estarmos aos pés de Jesus e sermos transformados por Ele. Cultivar a devoção individual e frequentar as reuniões coletivas (não deixar de congregar, conforme Hebreus 10.25) nos relembra de que fazemos parte de uma história – a história de Deus, o drama do Evangelho. Uma vida regular e consistente de oração impede que outras histórias e outras prioridades encontrem lugar em nosso coração.

Enquanto Maria estava trabalhando, ouvia as palavras de Jesus, ao ponto de parar tudo e assentar-se aos pés Dele. Marta, porém, estava ansiosa e preocupada com muitas coisas. Seu serviço se tornou um peso. Por isso, ela ouviu de Jesus: "uma só coisa é necessária".

PRECISAMOS DESSA CHAMADA DE JESUS: NÃO FIQUE ANSIOSO E PREOCUPADO. UMA SÓ COISA É NECESSÁRIA!

Frank Viola também trabalha a história de Marta e Maria em seu livro O lugar favorito de Deus na terra, em que ele afirma o seguinte:
Todo serviço deve fluir da comunhão com o Senhor se for para ter valor permanente. Todo serviço deve encontrar a sua fonte na vida de Cristo, e assim ele não levará ao desânimo, não gerará murmurações ou reclamações [...] Todo serviço deve fluir de um desejo agudo de agradar a Deus e não um desejo de ser notado por outros [...] (p.60)
Mais à frente, Viola faz uma constatação muito preciosa:
Quando Deus criou o mundo, Ele trabalhou durante seis dias e então descansou. Adão foi criado no sexto dia. Portanto, o sétimo dia de Deus – o sábado dos judeus – foi o primeiro dia completo de Adão.
Deus trabalha antes de descansar. Os seres humanos, contudo, descansam antes de trabalhar. Esse princípio sustenta todo o serviço cristão. Descansamos em Cristo antes de trabalharmos em Cristo (p.61).
Estamos assentados antes de andar:

"Estando nós ainda mortos em nossos pecados, [o Pai] deu-nos vida juntamente com Cristo (pela graça sois salvos) e nos ressuscitou juntamente com ele, e com ELE NOS FEZ ASSENTAR nas regiões celestiais em Cristo Jesus" (Efésios 2.5-6, com destaques meus).

"...peço-vos que ANDEIS de modo digno para com o chamado que recebestes, com toda humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos uns aos outros em amor... (Efésios 4.1-2).

Qual é o grande problema em tudo isso? Muitas "Martas" acabam se tornando "Marias" no pior sentido: hoje só querem “adorar” e não se envolvem mais em outros serviços. Há casos piores, em que o peso do serviço cristão foi tão grande para certas pessoas (traumas, situações negativas, abusos na igreja) que hoje desanimaram e se tornaram “Marias de domingo à noite” – já que adoração também envolve serviço, relegam seu trabalho para os ministros profissionais do culto. Abandonam seu sacerdócio. No fundo, no fundo, são pessoas perdidas, esmagadas pelo ativismo e pela religiosidade. Gente que hoje vive ansiosa e preocupada com muitas coisas...

Adoração e serviço andam juntos. Não separe as coisas. Não separe a sua vida em compartimentos. Você é INTEIRO de Cristo. 

Canalize sua fome e sede por significado e completude para Ele. Esteja aos pés de Jesus e trabalhe. Viva de modo que seus ouvidos continuem abertos e sensíveis e seu coração permaneça aquecido e ligado em Jesus enquanto você trabalha e realiza suas atividades diárias (em casa, em seu local de trabalho ou na igreja). Lembre-se: UMA SÓ COISA É NECESSÁRIA.

É bastante possível que, em certos momentos, você seja levado a parar tudo, a deixar tudo de lado, e a se colocar aos pés de Jesus. EXISTE UMA "BOA PARTE" QUE NÃO SERÁ TIRADA DE NÓS: OUVIR SUAS PALAVRAS, CONTEMPLÁ-LO, ADORÁ-LO, ASSUMIR O NOSSO LUGAR NA HISTÓRIA DELE. Tudo o que somos e o que fazemos depende disso.

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