Discipular a cidade - parte 1

Luciano Motta

Nosso chamado é discipular a cidade — tenho pensado nessa sentença desde meados de 2016. É o que tenho falado na igreja onde congrego e pastoreio como uma ação-chave em 2017. Em tempos de profundas crises no Brasil e no mundo, em todos os níveis, a igreja de Cristo deve voltar a ocupar seu lugar de relevância. Sim, somos um ponto de referência na cidade. Somos sal e luz. Não dá mais fugir do que somos em essência. Não é possível esconder uma cidade edificada sobre um monte (Mateus 5.13-14).

Essa é uma obra coletiva. Não é incumbência de uma igreja só, de um grupo de líderes, de super-crentes ou super-pastores. Apenas coletivamente seremos capazes de discipular toda uma cidade. Sendo assim, é fundamental a unidade do Corpo em torno do Cabeça: Cristo. Creio que a oração coletiva é o meio mais eficaz de começarmos a unir igrejas, denominações e comunidades. Promover encontros e mobilizações regulares de oração de forma local, reunindo outros membros e lideranças do Corpo (que não seja um café nem encontro social-político), é uma ação que trará um senso de pertencimento e sensibilidade quanto a vontade de Deus para a igreja na cidade.

A devoção e o conhecimento das Escrituras devem estar acompanhados de uma exposição bíblica mais abrangente, ou seja, a igreja na cidade deve se abrir para ouvir homens e mulheres de Deus de outras localidades e também da própria cidade. Quando uma igreja se fecha na redoma de sua realidade local, em seus usos, costumes, eventos e ênfases particulares, tende a perder o que Deus está fazendo neste tempo e de forma ampla, global. As lideranças devem equipar seus membros na própria igreja e também permitir que saiam para receberem de outros (ou abrirem suas portas para outros ministérios). Assim, os santos serão aperfeiçoados e haverá a justa contribuição de cada parte do Corpo (Efésios 4.11-16). A Grande Comissão (Mateus 28.19-20) será cumprida sem que o peso da obra fique sobre uns poucos.

Ao mesmo tempo, é preciso fortalecer os vínculos. "Comunhão", "vida em comunidade", "uns aos outros" não podem ser somente expressões bonitas de nosso vocabulário cristão. O que sustenta a mais alta árvore e seus ramos compridos, cheios de folhas, flores e frutos, é a qualidade das raízes e da terra onde está plantada. Muitos estão fazendo a obra de Deus de forma extralocal, organizando viagens missionárias e conferências, gravando música e ministrando fora, porém não têm vínculo com suas igrejas locais, não têm relacionamentos profundos com outros irmãos na fé, não prestam contas de suas vidas a ninguém. Esse ano que começa é uma nova e preciosa oportunidade de repensarmos nossos ministérios, nossa forma de ser igreja, nossa própria vida cristã. As raízes da comunhão, dos relacionamentos e da submissão uns aos outros devem ser conferidas e aprofundadas para não quebrarmos e cairmos, pois o que nos está proposto para 2017 é muito grande.

A parábola dos talentos — existem questões implícitas nas parábolas do discurso de Jesus em Mateus 24 e 25 que estão ligadas ao nosso chamado de discipular a cidade: como os servos (os ministérios, a igreja) se comportarão antes da segunda vinda de Cristo? Vigiarão os tempos? Estarão preparados para a noite escura da grande tribulação? Serão achados fiéis com o que receberam do Senhor?

Vamos refletir mais a fundo sobre a parábola dos talentos:

[O Reino do céu] "Também é como um homem que, ausentando-se do país, chamou seus servos e lhes entregou seus bens: a um deu cinco talentos; a outro, dois; e a outro, um, de acordo com a capacidade de cada um; e saiu em viagem" (Mateus 25.14-15).

Jesus situa essa parábola (como as anteriores) no período que antecede Sua segunda vinda, quando estabelecerá definitivamente e em plenitude o Reino do céu na terra. Compara esse tempo a um senhor que entrega "talentos" para seus servos administrarem durante sua ausência.

O valor de um talento correspondia naquela época a 6 mil denários. Cada denário valia o salário de um dia de um trabalhador comum. Considerando que hoje um dia de salário custe 150,00 reais, então um talento valeria "apenas" 900 mil reais! Por essa contabilidade, aquele senhor entregou cinco talentos a um servo (cerca de 4 milhões e meio de reais), dois talentos a outro (um milhão e 800 mil reais) e um talento a um terceiro.

Podemos concluir o seguinte: o que Jesus tem confiado a nós não é pouca coisa! Nesses dias de caos e desordem, estão sob nossos cuidados talentos muito preciosos: bens, recursos, carreira, dons espirituais, pessoas para cuidar, ministérios... Alguns receberam mais do que outros, porque o Senhor dividiu conforme a capacidade de cada um. Ele sabe exatamente o que cada um pode administrar.

"O que havia recebido cinco talentos foi negociá-los imediatamente e ganhou mais cinco; da mesma forma, o que havia recebido dois ganhou mais dois; mas o que havia recebido um foi, cavou um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor" (v.16-18).

Vale destacar a ação dos dois primeiros servos: foram negociar imediatamente o que receberam, isto é, empenharam-se prontamente para expandirem o mais rápido possível aqueles talentos. Os sinais apontam que o tempo é curto — Jesus está voltando! O que temos feito com o que recebemos Dele? Temos sido diligentes ou estamos procrastinando?

Outro ponto importante é a expressão “da mesma forma”, que sugere algum nível de cooperação e submissão entre os dois servos. Se os talentos foram divididos de acordo com a capacidade de cada um, então muito provavelmente o que recebera dois talentos seguiu (ou pelo menos observou, imitou) o procedimento do que recebera cinco talentos. Talvez uma parceria tenha sido construída nesse tempo de trabalho e multiplicação.

Mas o que recebera um talento (repito: não era pouca coisa!) agiu de forma diferente, enterrando a sua parte. Parece que ele se isolou dos outros. Por que não buscou uma parceria? Será que ele tinha dificuldades de se submeter a alguém mais capacitado? 

"Depois de muito tempo, o senhor daqueles servos voltou para acertar contas com eles. Então, chegando o que havia recebido cinco talentos, apresentou-lhe mais cinco talentos e disse: Senhor, entregaste-me cinco talentos; aqui estão mais cinco que ganhei. E o seu senhor lhe disse: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel sobre pouco; sobre muito te colocarei; participa da alegria do teu senhor! Chegando também o que havia recebido dois talentos, disse: Senhor, entregaste-me dois talentos; aqui estão mais dois que ganhei. E o seu senhor lhe disse: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel sobre pouco; sobre muito te colocarei; participa da alegria do teu senhor" (v.19-23).

Os dois primeiros servos foram aprovados quando o senhor voltou. Cuidaram muito bem do que receberam. O senhor declarou a respeito deles: vocês são "bons" (honrados, obedientes) e "fiéis" (dignos de confiança). Sobre isso, existe uma palavra muito significativa do apóstolo Paulo em 1 Coríntios 4.1-2, que vou parafrasear aqui:

Importa que qualquer pessoa leve em conta que somos verdadeiramente
servos e ministros de Cristo, encarregados e bons despenseiros,
administradores zelosos, dos mistérios, da vontade, das revelações e das visões de
Deus. Além disso, o que se requer de pessoas assim encarregadas é que sejam
encontradas fiéis, verdadeiras, dignas de confiança!

Uma igreja com essas características será eficaz na missão de discipular a cidade. É nosso dever nos movimentarmos com base no que temos recebido de Deus. Podemos incluir aqui o dever de levarmos adiante o legado de fé e as palavras dos irmãos que vieram antes de nós; honrarmos o sacrifício que fizeram e os caminhos que desbravaram. Um bom depósito nos foi confiado. Vamos agir!

O senhor disse mais: "Foste fiel sobre pouco". Lembremos que um talento valia quantia considerável naquela época. Mas, para aquele senhor, os talentos distribuídos e multiplicados não eram grande coisa: "sobre muito te colocarei". Leio essa passagem como se Jesus nos dissesse: Se vocês forem fiéis no que é limitado, quando Eu voltar, irei estabelecer vocês em uma posição muito elevada, extraordinária! Então, confiarei a vocês o que "olho não viu, nem ouvido ouviu, nem jamais penetrou em coração humano" (1 Coríntios 2.9). Vocês participarão da minha alegria, da minha satisfação! Vocês são bem-aventurados e por isso irão reinar ao Meu lado para sempre!

Tudo isso é, sem dúvida, maravilhoso! Todo esforço vale a pena! Mesmo que passemos por lutas e dificuldades, ousamos dizer, como Paulo: "não desanimamos. Ainda que o nosso exterior esteja se desgastando, o nosso interior está sendo renovado todos os dias. Pois nossa tribulação leve e passageira produz para nós uma glória incomparável, de valor eterno, pois não fixamos o olhar nas coisas visíveis, mas naquelas que não se veem; pois as visíveis são temporárias, ao passo que as que não se veem são eternas" (2 Coríntios 4.16-18).

. . . . .

Veremos a seguir o que houve com o servo que não administrou bem o talento recebido — é uma dura advertência a nós, igreja na cidade, caso negligenciemos o que Deus tem nos confiado.

Leia a parte 2

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