Igreja: Comunidade de Amor - Parte 3

Luciano Motta

Estou postando no blog uma série de palavras que tenho ministrado nas últimas semanas a respeito da igreja e seu caráter comunitário (em breve esse conteúdo estará em livro). Predomina no texto a organização em tópicos, por isso nos marcadores aparecem "artigos" e "esboços".

// CONFIRA AQUI:
PRIMEIRA PARTE 
SEGUNDA PARTE 

Vimos que a igreja é uma comunidade de amor; é pertencer a uma coletividade e, assim, partilhar algo de si com o outro e de receber algo do outro para si; é se unir em concordância ao outro por um mesmo propósito, uma mesma causa, tendo uma mesma identidade. Dessa forma, somos um ponto de referência (sal e luz) para o mundo.

Na comunidade de amor, Deus está no centro de tudo. O plano de Deus sempre foi viver em comunhão conosco:

Ele nos criou para sermos como Ele: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme nossa semelhança” (Gn 1.26).

Ele nos inseriu em uma família: “não é bom que o homem esteja só” (Gn 2.18).

Ele deixou ordenanças ao homem: cultivar e guardar o jardim (Gn 2.15); expandir o Éden por toda a criação com sua família e seus descendentes (Gn 1.28).

Entretanto, o pecado rompeu com tudo isso. A queda gerou uma série de dores e inimizades:

- entre a serpente e os outros animais (Gn 3.14)
- entre a serpente e a mulher (Gn 3.15)
- entre a mulher e o ato de dar à luz (Gn 3.16)
- entre a mulher e o marido (Gn 3.16b)
- entre o homem e a terra (Gn 3.17-19)
- entre o homem e o Criador (Gn 3.23-24)

As figuras no Antigo Testamento que demonstravam com suas vidas o quão sofrido é viver distante de Deus e do outro eram os profetas. Pessoas solitárias (na grande maioria das vezes), traziam uma palavra para a coletividade, para o povo de Deus, mas eram homens solitários: subiam os montes, andavam por desertos e vales, vagavam de um lado para o outro. Anunciavam a salvação que estava por vir (Cristo), mas eram homens de dores e lamentos, privados de maiores confortos. Suas vidas parece que encarnavam a mensagem do que é uma vida em inimizade.

No Novo Testamento, João Batista ainda remete a esse tempo, embora Zacarias e Isabel, seus pais, tenham ido para o deserto junto de seu filho. Como alguns antigos profetas, João Batista também teve discípulos. Mas ele era a “voz do que clama” no deserto (Isaías 40): uma voz solitária (repare que no texto não está “vozes”, mas "voz").

De acordo com Pedro Arruda (autor que será mencionado várias vezes aqui), Jesus Cristo faz a transição de um tempo de “ministério solitário” para “ministério solidário” (1). Primeiro fica 40 dias no deserto (solitário, como os profetas do Velho Testamento). A partir daí, Jesus logo se cerca de 12 discípulos, que se transformam em 70, depois 120. Jesus está sempre em companhia de alguém, seja em meio às multidões, com os discípulos, seja desfrutando da amizade de Maria, Marta e Lázaro em Betânia.

O ministério de Jesus dá lugar ao ministério do Espírito Santo. A solidão dá lugar à comunidade.

Arruda afirma:
Em vez de montanhas, vales ou rios, os lugares para se encontrar com Deus agora são as casas, as praças, as ruas. Sob o ministério do Espírito Santo, o novo modelo era não fazer as coisas sozinhos, mas sempre juntos! A solidão passou a ser exceção, reduzida a pequenos períodos, em secreto no quarto, ou a breves vigílias (p.35).
Quando olhamos para a igreja do primeiro século, esse aspecto comunitário é evidente:

"E eles perseveravam no ensino dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada um havia temor, e muitos sinais e feitos extraordinários eram realizados pelos apóstolos. Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e os repartiam com todos, segundo a necessidade de cada um. E perseverando de comum acordo todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus e contando com o favor de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava a cada dia os que iam sendo salvos" (Atos 2.42-47).
A vida da igreja do primeiro século se desenvolvia no interior das casas, no cotidiano das pessoas. Por isso, nenhuma de suas atividades era estranha ao ambiente familiar. Para os primeiros cristãos, tão rotineiro como lavar roupas, fazer comida, tratar dos animais ou trabalhar como carpinteiro ou pescador era receber outras pessoas em casa para comer juntos, orar, conversar sobre Deus e reunir recursos para ajudar os necessitados. Era dentro desse contexto que as crianças cresciam, vendo seus pais agirem como presbíteros ou diáconos e ouvindo profecias e explicações dos mestres. Desde a tenra idade, crescia em cada uma o desejo de assumir responsabilidades espirituais à medida que se alcançasse a maturidade adulta, com a mesma naturalidade com que se aprendiam os ofícios paterno e materno (p.54).
Vale observar que também entre as famílias sacerdotais que serviam no tabernáculo de Moisés e no de Davi, a vida em comum era a regra - como que apontando o padrão do Éden antes da queda e o que viria a seguir, com a igreja.

Mas o que é comunhão?

A presença viva de Cristo na igreja se torna cada vez mais evidente quando identificamos e desfrutamos de Cristo na vida dos irmãos. A verdadeira comunhão está nisso. É possível estarmos em um culto cheio de pessoas, e não termos comunhão ali; é possível comermos juntos, partilharmos a mesa com mais alguém, e não termos comunhão com essa pessoa; pois a comunhão depende necessariamente do reconhecimento de Cristo no outro:
A falta de revelação impede muitos de encontrarem Cristo na leitura da Bíblia ou na oração. Pelo mesmo motivo, a grande maioria não consegue encontrar Cristo no outro. Trata-se da mesma revelação que fez a opinião de Pedro distinguir-se das outras, que eram baseadas no conhecimento humano das Escrituras, quando respondeu a Jesus: "Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo" (Mt 16.16) (p.74).
Quando não vejo Cristo no irmão, devo ter o mesmo desespero para me livrar das traves nos olhos que tenho quando não encontro revelação na Palavra e na oração. Essa deficiência jamais poderá ser atribuída ao irmão, assim como não a atribuímos à Palavra ou à oração (p.75).
Prático:

• Ore nesta semana por alguém – o que você vê de Cristo no irmão?

• Comunique isso para ele.

• Medite nas passagens bíblicas abaixo. Note que elas se dirigem ao coletivo, mas muitas vezes são lidas como se fossem atribuições de uma só pessoa:

“Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai, que está no céu” (Mt 5.16).

“Portanto, orai deste modo: Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dá hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como também temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes entrar em tentação; mas livra-nos do mal [Pois teus são o reino, o poder e a glória, para sempre. Amém]” (Mt 6.9-13).

“Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1 Cor 6.19).

Orai sem cessar” (1 Tes 5.17) = aqui, a ordenança é dirigida a uma igreja, não a uma pessoa em particular.

A revelação de João em Apocalipse 1 é “repartida” às sete igrejas em Apocalipse 2 e 3. Ou seja: nenhuma igreja sozinha tem a revelação total de Jesus. Isso é maravilhoso, pois sinaliza o valor que Deus dá ao coletivo, à vida em comunidade.

Continua...

(1) ARRUDA, Pedro. A comunhão nossa de cada dia. São Paulo: CCC Edições, 2010.

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